Unicidade Orgânica da Advocacia Pública estadual catarinense. Mais do mesmo: verso e reverso

13/12/2020

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

O Supremo Tribunal Federal finalizou, em 27 de novembro de 2020, julgamento da ADI 6252 que impugnou o art. 113, § 11 e o anexo IV da Lei Complementar do Estado de Santa Catarina n. 741, de 12 de junho de 2019. Referida lei dispôs sobre a estrutura organizacional básica e o modelo de gestão da Administração Pública Estadual, no âmbito do Poder Executivo.

Destacado preceptivo legal, incluído em capítulo referente à “critérios para ocupação de cargos em comissão e de funções de confiança”, tem a seguinte redação:

§11. Para o exercício dos cargos em comissão de Procurador Jurídico, Consultor Jurídico ou Assessor Jurídico, deverão os ocupantes possuir formação em curso de graduação em Direito com registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Muito embora seja tema de comezinho conhecimento no ambiente jurídico estatal, a unicidade da advocacia pública estadual, novamente a Suprema Corte se viu obrigada a se manifestar, em reiteração à inúmeros precedentes.

Daí que se faz oportuno utilizar nessa Coluna, novamente, do contexto poético-crítico-musical[i], particularmente Mais do Mesmo, da banda Legião Urbana. Trata-se do “mais do mesmo” verso, que o regramento legislativo infraconstitucional, oriundo de projeto governamental, insiste estabelecer e, consectariamente, do “mais do mesmo” reverso, decorrente do reassentamento do entendimento constitucional do Supremo Tribunal Federal. Evidencia-se, pois, a circularidade dos poderes constituídos, as suas contrariedades, ambiguidades e insistências de um frente ao outro.

Ocorre que tais circularidade, contrariedades, ambiguidades e insistências não necessitariam estar presentes na atual conjuntura histórica, já que o tema já foi definido desde a Constituição Federal de 1988 pelo constituinte originário, enfrentado, decidido e reiterado pelo STF (ADI 1679, Rel. Min. Gilmar Mendes; ADI 881-MC, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 4.449, rel. min. Marco Aurélio; ADI 4.261, rel. min. Ayres Britto; ADI 4.843 MC-ED-REF, rel. min. Celso de Mello[ii]).

Consta no voto do relator na ADI 6252 ora comentada, Ministro Marco Aurélio, ao interpretar o art. 132 da Constituição Federal e o art. 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

Iniludivelmente, tem-se a definitividade do tratamento da matéria, concentrando, na Procuradoria do Estado, organizada na forma prevista no preceito, representação e consultoria. A disciplina apanhou situações jurídicas constituídas.

[...]

Clareza maior não poderia haver quanto à impossibilidade de continuar-se com diversificação de representação e consultoria. O dispositivo tem início com expressão a revelar haver sido proibida a criação de órgãos estranhos à Procuradoria do Estado.

O desapego aos ditames maiores levou o ente federado a instituir cargos em comissão de procurador jurídico, consultor jurídico ou assessor jurídico, atuando na contramão do que visado pela Constituição Federal em termos de unicidade e segurança. O conflito da disciplina com a Carta da República é evidente.

Julgo procedente o pedido formalizado, concluindo pela inconstitucionalidade do artigo 113, § 11, e anexo IV, da Lei Complementar nº 741/2019 do Estado de Santa Catarina.

O que se constata é que a Jurisdição Constitucional foi novamente chamada a decidir em tema que já tem entendimento consolidado, qual seja, a unicidade orgânica da Advocacia Pública estadual.

Em tal contexto, conforme já se escreveu em outra oportunidade[iii], não se está mais vivendo em épocas coloniais, em que o procurador do Estado, “como fidalgo, servia à realeza, integrante do estamento, situação que se perpetuará durante o Império, com reflexos na República”[iv].

A realidade retratada por Sérgio Buarque de Holanda, de que “é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal”[v] não está mais presente hodiernamente - ou, ao menos, não se quer presente. A profissionalização da Administração Pública e de seus quadros é imperativo para a prestação eficiente dos serviços públicos exigidos pela sociedade. Os serviços jurídicos inserem-se neste contexto, em consonância com o texto constitucional.

Daí que a decisão do STF é o reverso de um verso que ainda persiste na Administração Pública brasileira.

E, nos termos da música Mais do Mesmo não se pode deixar de destacar, considerando a pandemia contemporaneamente presente e suas contingências governamentais que,

E enquanto isso, na enfermaria

Todos os doentes [não] estão cantando

Sucessos populares

E, assim como os índios, estão sendo mortos...

 

Notas e Referências

[i] Veja-se em: https://emporiododireito.com.br/leitura/quando-o-segundo-sol-chegar-para-realinhar-as-orbitas-dos-planetas-de-como-a-lei-13-655-2018-intenta-alinhar-decis; https://emporiododireito.com.br/leitura/formacao-virtual-de-precedentes-judiciais-vinculantes-em-tempos-de-pandemia-e-preciso-fe-cega-e-pe-atras;

[ii] Colhe-se o seguinte excerto do voto do Min. Celso de Mello: A representação institucional do Estado-membro em juízo ou em atividade de consultoria jurídica traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada, pela Carta Federal (art. 132), aos Procuradores do Estado. Operou-se, nesse referido preceito da Constituição, uma inderrogável imputação de específica atividade funcional cujos destinatários são, exclusivamente, os Procuradores do Estado”.

[iii] OLIVEIRA, Weber Luiz. Procurador Geral do Estado membro da carreira – uma proposta de lege ferenda, In, Revista da Procurador Geral do Estado de Santa Catarina, n. 3, 2014, p. 13.

[iv] SCHUBSKY, Cássio. Origens da Advocacia Pública, In, São Paulo (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Centro de Estudos. Advocacia pública: apontamentos sobre a história da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Coordenação editorial e texto: Cássio Schubsky. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 33.

[v] Raízes do Brasil, 26ª ed., 36ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 182.

 

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