Acontecimentos ultimamente ocorridos inspiraram o título da coluna desta semana.
Trata-se da determinação de construção de muro nas fronteiras entre os países dos Estados Unidos da América e México, ao fundamento de garantir e melhorar a segurança nacional norte-americana.
Lá, o muro, se realmente construído, consumirá bilhões de dólares e separará não só fisicamente as duas nações, mas certamente tal segregação se fará refletir em todas as relações existentes, institucionais, comerciais, diplomáticas, culturais e, por pior, entre pessoas (étnicas), o que a história já tem o que contar, infelizmente, sobre construções de muros separando populações.
Neste sentido a manifestação do prefeito de Berlim, Michel Müller, é oportuna: “Berlim, a cidade da divisão da Europa, a cidade da liberdade da Europa, não pode assistir sem comentar quando um país planeja erguer um muro [...]. Nós, berlinenses, somos os que melhor sabemos quanto sofrimento a divisão de todo um continente, cimentada por arame farpado e um muro, pode causar. Não devemos simplesmente aceitar que toda a nossa experiência histórica seja descartada por aqueles a quem devemos em grande parte nossa liberdade, os americanos”[1].
Mas este não é o tema da coluna, até porque não se tem o conhecimento suficiente a expor sobre o assunto.
Apenas se utiliza deste fato de repercussão mundial para contextualizar quais muros e rumos têm o direito público e a advocacia pública brasileiras.
O direito público tem como muro o texto constitucional e demais textos legais que procuram lhe dar efetividade, sejam delimitando normas (ou textos?!) de aplicabilidade direta e imediata, seja realizando um programa de implementação de direitos em (in)finitas áreas (saúde, educação, segurança pública, moradia, meio ambiente, assistência social, etc., etc., etc.)
Vale dizer, a barreira da normatividade pública, de sua aplicabilidade e operacionalidade é a legalidade, constitucional ou infraconstitucional.
Este também o motivo de se ter dotado certos tribunais superiores de controle de decisões judiciais que usurpem a interpretação por eles dada. Primeiramente tal competência advém da CF/88, ao dispor no art. 102 que ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição e, no art. 105, III, que ao Superior Tribunal de Justiça compete julgar decisões que contrariem o seu entendimento a respeito da interpretação da lei federal, como, igualmente, ao estatuir a súmula vinculante (CF, art. 103-A) e regulamentar o controle concentrado de constitucionalidade (CF, art. 103). Por segundo, pela regulamentação dos precedentes judiciais vinculantes, ou outros nomes que o valham..., pelo Código de Processo Civil de 2015 (art. 927).
O muro do direito público já está devidamente erguido, sendo eventuais rachaduras e defeitos corrigidos pelos referidos tribunais, como também por todo juiz ou tribunal em sede de controle concreto de constitucionalidade e pela aplicabilidade de precedentes vinculantes.
Agora, quais os rumos do direito público?!
Nota-se, cotidianamente, ineficiência dos poderes instituídos na implementação de políticas públicas e de direitos sociais, podendo se constatar, com pesar, quase que uma epidemia institucional a ausência de eficiência em oferecer aos menos favorecidos, apenas para citar a maior parcela da população brasileira, direitos básicos como um singelo atendimento na rede pública de saúde. Claro, registre-se, que exceções existem...
“Por isso, não mais basta, para caracterizar governos como democráticos, que os atos do Poder Público apenas procedam de entes ou de de órgãos formalmente legitimados, pois o que realmente imprimirá à substância desses atos aquele caráter legitimatório, haverá de ser a observância daqueles princípios, sintetizados no conceito da boa governança, a serem reverenciados na ação do Estado e espelhados, afinal, em seus resultados”[2].
A rigor, o rumo do direto público são as pessoas e está contido em seu muro, quando impõe atuação estatal, no art. 37, caput, da CF/88, com impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Por sua vez, a advocacia pública também tem um muro, qual seja, o mesmo do direito público, de modo que suas atividades devem ser pautadas e limitadas pelas barreiras dos textos constitucionais e legais. Esses obstáculos normativos não só intentam impedir que um caminho desacertado seja seguido, mas, ainda, impõe que as ações advocatícias dos entes públicos sejam realizadas com o desiderato de demonstrar e encaminhar os atos de Estado de forma a não romper ou danificar o muro, edificado sob os pilares democráticos. Por isto que o advogado público deve se pautar com independência, porquanto o seu caminhar pelo muro tem o equilíbrio (legitimidade) na democracia e no princípio republicano, e não em posições individuais deste ou daquele agente público ou órgão governamental.
E, enfim, qual o rumo da advocacia pública?!
Ruma-se a agir em defesa do muro, não de um muro de concreto e arames farpados da segregação, da separação de pessoas e instituições, mas sim de um muro, talvez invisível, de união de pessoas e entidades, públicas e privadas[3], de um muro que também seja ponte de ligação entre a vontade de realizar o bem e a sua concretização mediante políticas públicas responsáveis, ativas e eficientes.
Exemplo dessa tomada de rumo se colhe, de igual modo, dos Estados Unidos, onde a Procuradora-geral interina, Sally Yates, foi demitida pelo Presidente após não dar aplicação a decreto presidencial anti-migrantes. Entendeu a procuradora: “No momento, não estou convencida de que a defesa desses decretos presidenciais é consistente com as responsabilidades do departamento, nem de que eles são legais. Enquanto eu for a procuradora-geral interina, o DOJ não irá apresentar argumentos em defesa desses decretos, pelo menos até eu me convencer de que isso é apropriado”[4].
A advocacia pública, portanto, tem como papel a defesa estatal e de seus atos, desde que, é claro e sabido, sejam consentâneos com os muros democraticamente construídos para limitar o excesso de poder e, por mais importante, conduzir a efetivação de políticas públicas de bem-estar sociais.
Notas e Referências:
[1] Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/nao-construa-o-muro-recomenda-prefeito-de-berlim-a-trump.ghtml. Acesso em 03.02.2017.
[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Relações entre poderes e democracia: crise e superação, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, pp. 59-60.
[3] Sabino Cassesse, a propósito da relação no Estado do público e do privado, conclui que “Estado e mercado, público e privado, que antes eram considerados mundos separados e em oposição, apresentam-se como entidades que se interpenetram. O Estado, universo fechado de sujeitos, como mercado, universo aberto. O Estado como conjunto de sujeitos com posições atribuídas segundo uma ordem tendencialmente hierárquica, enquanto no mercado os operadores assumem posições variáveis, em uma ordem tendencialmente paritária. O Estado, sistema no qual prevalecem relações de tipo comman and control, enquanto no mercado dominam relações de negociação. O Estado assume e cuida de interesses gerais pré-ordenados, enquanto no mercado atuam interesses particulares, do conflito-concorrência deriva o ótimo resultado. Os dois modelos aparecem menos distantes. Emprestam-se partes reciprocamente. Os novos paradigmas do Estado colocam em discussão todas as noções, temas e problemas clássicos do direito público – a natureza do poder público e de seu agir legal-racional, movido e cima para baixo (pela lei), o lugar reservado à lei e a suas implicações (legalidade e tipicidade) e relações público-privado. E requerem também mudança de comportamento científico em relação ao direito, porque a ‘doutrina’ jurídica não pode manter imutáveis os próprios códigos de referência com uma mudança tão radical de seu objeto. A expressão escolhida para resumir em um único termo esses novos paradigmas (arena pública), talvez inadequada, apresenta bem, entretanto, o alargamento das fronteiras do poder público e as transformação de sua morfologia e, ao mesmo tempo, permite entender sua incompletude”. (A crise do Estado, trad. Ilse Paschoal Moreira e Fernanda Landucci Ortale, Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 145)
[4] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-jan-31/procuradora-geral-eua-demitida-presidente-trump. Acesso em 03.02.2017.
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