Crime organizado, organização criminosa e associação criminosa – Por Ricardo Antonio Andreucci

19/01/2017

Até o ano de 1995, o Brasil não contava com uma definição legal de crime organizado e nem tampouco com uma legislação específica que tratasse dos meios legais de combate e essa incipiente modalidade criminosa.

A Lei n. 9.034/95 trouxe inegável evolução no trato da criminalidade organizada, dispondo sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

A referida lei não era perfeita, embora representasse sensível avanço no trato do crime organizado, tendo sofrido severas críticas da doutrina especializada.

Um dos aspectos mais criticados da lei foi justamente que a redação primitiva do art. 1º se referia apenas a “ações praticadas por quadrilha ou bando”, gerando confusão doutrinária e jurisprudencial acerca dos efetivos contornos da expressão “crime organizado”.

Isto porque equiparava o bando ou quadrilha ao crime organizado, fazendo crer a muitos doutrinadores que, necessariamente, o conceito de crime organizado deveria conter os elementos daquele delito.

Foi somente com a edição da Lei n. 10.217/01, que a noção de crime organizado foi alargada, passando a abranger não apenas os ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando, mas também aqueles envolvendo as “organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”.

Não obstante a nova redação dada ao art. 1º da Lei n. 9.034/95 pela Lei n. 10.217/01, o problema da conceituação de crime organizado não estava solucionado, uma vez que surgiram mais dúvidas ainda sobre a eventual equiparação de bando ou quadrilha a organização criminosa, e mesmo sobre a distinção entre organização criminosa e associação criminosa.

Diante da omissão conceitual da legislação, passaram os estudiosos a considerar que, em vez de conceituar o crime organizado, suportando o risco de ver o conceito desatualizado com o passar dos anos e com o incremento da tecnologia criminosa, melhor seria identificar os elementos constitutivos básicos do crime organizado, de maneira a identificá-lo e assim rotulá-lo à vista da análise da situação concreta apresentada.

Nesse sentido, a política criminal aponta como integrante do conceito de crime organizado a atividade grupal, mais ou menos estável, ordenada para a prática de delitos considerados graves. O Conselho da União Europeia, em 1998, descreveu a organização criminosa como uma associação estruturada de mais de duas pessoas, com estabilidade temporal, que atua de maneira concertada com a finalidade de cometer delitos que contemplem uma pena privativa de liberdade pessoal ou medida de segurança de igual característica, não inferior a quatro anos, ou com pena mais grave, delitos que tenham como finalidade em si mesma ou sejam meio de obter um benefício material, ou para influir indevidamente na atividade da autoridade pública.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, de 15 de dezembro de 2000, com sede em Palermo, no art. 2º, definiu organização criminosa como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral”. Essa Convenção foi ratificada, no Brasil, pelo Decreto Legislativo n. 231/03, integrando o ordenamento jurídico nacional com a promulgação do Decreto n. 5.015/04.

A Lei n. 12.694/12, visando preservar a segurança das autoridades judiciárias, estabeleceu que, em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual.

A Lei n. 12.694/12, é bom que se diga, não criou a figura do “juiz sem rosto” ou “juiz anônimo”, mas sim instituiu a possibilidade de formação de um colegiado de juízes para a prática de qualquer ato processual em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas.

Assim, nos casos de decretação de prisão ou de medidas assecuratórias, concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão, prolação de sentenças, decisões sobre progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena, concessão de liberdade condicional, transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima e inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, dentre outras, o juiz natural poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional. Esse colegiado será formado pelo juiz do processo e por dois outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição, sendo certo que a competência do colegiado limitar-se-á ao ato para o qual foi convocado.

Prevê a lei, ainda, que as reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial. A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.

Para essa referida lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional (art. 2º).

Mais recentemente, a Lei n. 12.850/13 definiu organização criminosa e dispôs sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

Para essa lei, considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (art. 1º, § 1º).

Foram mantidos, na nova conceituação, os elementos da estrutura ordenada, da divisão de tarefas e do objetivo de obtenção de vantagem de qualquer natureza (e não somente “benefício econômico ou moral”, como previa a Convenção de Palermo).

Entretanto, na nova conceituação de organização criminosa, fixou-se o número de integrantes em “4 (quatro) ou mais pessoas”, ao contrário da conceituação anterior, dada pela Lei n. 12.694/12, que exigia “3 (três) ou mais pessoas”. Outra mudança: na Lei n. 12.850/03 se requer “a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”; na Lei n. 12.694/2012, exige-se a “prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.

A nosso ver, a nova conceituação estreitou ainda mais a caracterização de uma organização criminosa, exigindo um mínimo de 4 (quatro) pessoas e a prática de infrações penais com penas máximas superiores a 4 (quatro) anos.

Mas a dúvida que remanesce é a seguinte: teria a Lei n. 12.850/13 revogado a Lei n. 12.694/12 no que se refere à definição de organização criminosa? Teria havido revogação tácita, já que, expressamente, a Lei n. 12.850/13, no art. 26, revogou apenas a Lei n. 9.034/95? Ou teríamos dois conceitos diversos de organização criminosa?

Cremos que a definição de organização criminosa pela Lei n. 12.694/12 é aplicável apenas para os fins desta lei, já que o próprio art. 2º desse diploma dispõe expressamente que a definição de organização criminosa lá estampada é apenas “para os efeitos desta Lei”.

Portanto, é forçoso concluir que há duas definições diversas de organização criminosa: uma para os efeitos da Lei n. 12.694/12 e outra para os demais efeitos. Ou seja, somente para o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas é que será utilizada a definição do art. 2º da Lei n. 12.694/12 (três ou mais pessoas e prática de crime cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos). Para todos os demais efeitos legais, será considerada organização criminosa “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

Vale mencionar, ainda, que a Lei n. 12.850/13 também definiu associação criminosa, modificando o “nomem juris” do crime e dando nova redação ao tipo penal do art. 288 do Código Penal.

Assim, não há mais o crime de “quadrilha ou bando”, sendo considerada “associação criminosa” a associação de 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.

Em síntese, temos o seguinte:

“Crime organizado”: fenômeno criminal sem definição legal, que caracteriza as ações praticadas por organização criminosa, confundindo-se com o conceito desta.

“Organização criminosa para os efeitos da Lei nº 12.694/12”: associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

“Organização criminosa para os demais efeitos penais: a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

“Associação criminosa”: associação de 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.


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