CEROL E A RESPONSABILIZAÇÃO PELOS RESULTADOS DE SUA UTILIZAÇÃO  

18/08/2019

Tem-se aqui, mesmo que brevemente, traçar algumas linhas a respeito de um assunto muito embora antigo e tanto quanto repetitivo, contudo, sempre em voga em nosso dia a dia, especialmente nos grandes centros: as linhas cortantes, popularmente conhecidas por cerol[1]!

O que um simples divertimento da infância e juventude ou de uma tradição transmitida de pai para filho (o soltar, levantar, uma pipa, pandorga ou qualquer outra nomenclatura ou sinônimo correspondente, dependendo da localidade dentro do território brasileiro), a utilização do cerol e nos últimos anos também da linha chilena[2], tem, muitas vezes, como resultado, mortes e graves lesões corporais à pedestres e, especialmente, motociclistas/motoqueiros que transitam pelas vias e rodovias.

Caber lembrar ainda que o cerol “faz com que a linha se torne uma verdadeira navalha causadora de muitos acidentes fatais”, sendo ainda feito uso desse pó cortante, o pó de ferro, o qual “pode conduzir eletricidade quando toca nos fios de alta tensão provocando choques elétricos provocando até morte em quem solta as pipas[3]”.

A fatalidade mais recente ocorreu no último final de semana (mais precisamente no dia 20.07.2019), aqui no Estado de Santa Catarina, mais precisamente, na cidade de São José, quando uma mulher, conduzindo uma motocicleta na BR-282, quando, em dado momento, acabou sendo atingida por uma linha com cerol no pescoço. Embora socorrida naquele momento, a vítima não resistiu aos ferimentos.

Em síntese, mais uma, dentre inúmeras outras fatalidades ou graves acidentes resultantes do uso do cerol ou linha chilena.

Nota-se que mesmo com campanhas promovidas pelos órgãos de segurança pública, imprensa e poder público visando a sensibilização da sociedade a não utilização de cerol nas pipas, tal conscientização inexiste, mantendo-se uma constância de acidentes e fatalidades no território brasileiro e, em muitos casos, sem identificação daquele que fazia uso no momento do fato, da linha chilena ou cerol.

O perigo normalmente fica bem a frente, mas é impossível enxergar a linha fina muitas vezes invisível ao olho nú. Cruzar essa linha a cerca de 100 quilômetros por hora numa via de alta velocidade [...], pode causar acidentes fatais[4].

Dito isso, passa-se a traçar alguns elementos normativos e posicionamento dos tribunais pátrios quanto a essa realidade, com vistas a apurar a existência (ou não) quanto à efetividade na responsabilização daqueles que fazem uso indiscriminado e irresponsável desses produtos.

Ademais, encontra-se no comércio físico ou virtual, a oferta de tal produto (linha chilena), inexistindo, ao que tudo indica (sem fazer juízo de valor), uma fiscalização eficaz a tal comercialização do referido produto, muitas vezes, letal.

Em Santa Catarina, desde 2001, há legislação que proíbe a utilização de pipas ou similares equipadas com instrumentos cortantes e com linhas preparadas à base de produtos cortantes, trata-se da Lei nº 11.698[5].

A lei estabelece que a fiscalização ficará a cargo de órgão designado pelo Poder Executivo, muito embora entendemos que compete a cada um de nós, agentes públicos ou integrantes de comunidades e da sociedade, esse processo fiscalizatório, não apenas com a finalidade de responsabilizar o outro, mas de conscientização, evitando-se um mau maior.

Traz-se ainda a referida lei, mais precisamente o parágrafo único do art. 4º, que o “órgão responsável pela fiscalização, após a formalização de laudo, observado o princípio da ampla defesa, deverá comunicar as apreensões ao representante do Ministério Público da Comarca em que for praticada a infração” (grifo nosso).

Embora a lei disponha da necessidade de regulamentação, não localizamos tal instrumento regulamentador das ações e dinâmicas a serem desenvolvidas com vista a efetivação do disposto na norma ora referenciada, mas, de uma maneira geral, tem-se o arbitramento de multa aquela que venha a ser abordado ou constatado o uso, porte, comercialização ou produção, por exemplo.

Independente disso destaca-se, a título ilustrativo, iniciativas promovidas pelo Poder Executivo Municipal, a mencionar Itajaí/SC[6] e Belém/PA[7], em que, respectivamente, nos anos de 2003 e 2019, dispuseram a proibição da industrialização, comercialização, armazenamento, transporte, bem como a distribuição de cerol ou de qualquer material cortante usado para pipas, vindo o município de Belém, complementar ainda com a proibição da Linha Chilena.

Ademais, torna-se muitas vezes dificultosa a identificação e, por consequência, a responsabilização criminal (pela lesão corporal ou morte gerada) daquele que está fazendo uso de cerol ou linha chilena em razão da distância entre o local em que este se encontra e a pipa, gerando desse modo, a impunidade.

Por conta disso, observa-se a judicialização das vítimas ou famílias dessas, visando indenizações por danos materiais, moral e estéticos, voltadas a responsabilização da concessionária ou responsável por aquela rodovia ou via em que ocorrera o acidente resultando na lesão ou morte de alguém. Contudo, o que se verifica é a existência de decisões procedentes e improcedentes (TJSP, TJRJ, TJSC, dentre outros Tribunais) quanto o dever de indenizar, tendo-se como um dos fundamentos a configuração (ou não) da responsabilidade objetiva da concessionária do serviço público e, por consequência, a demonstração da culpa (ou não) desta quanto a responsabilidade pelo evento.

Sendo assim, ciente de uma cultura de décadas (o soltar pipas), mas em razão do crescimento das cidades, vias públicas, rodovias, há de repensarmos alguns conceitos e ações, visando, manter o levantar pipas com linhas que não venham a gerar lesão ou fatalidade alguma (seja resultante do uso de linhas cortantes ou acidentes como atropelamentos, choques elétricos), mas tão somente a diversão de todos.

Fica aqui a reflexão!

 

Notas e Referências

[1]  Trata-se de uma mistura composta por cola e vidro moído (geralmente de lâmpadas fluorescentes) e que são passadas na linha das pipas e tendo por finalidade cortar a linha de outras pipas.

[2]  Elaborada com óxido de alumínio e outros materiais abrasivos e num processo mecanizado a quente.

[3] Cerol Não. Disponível em: <http://www.cerol.com.br/>. Acesso em: 22 jul. 2019.

[4] Notícias do Dia. Acidente com vítima fatal em Florianópolis acende alerta contra uso de cerol em pipas. Disponível em: <https://ndmais.com.br/videos/balanco-geral-florianopolis/acidente-com-vitima-fatal-em-florianopolis-acende-alerta-contra-uso-de-cerol-em-pipas/>. Acesso em: 22 jul. 2019.

[5] SANTA CATARINA. Lei nº 11.698, de 08 de janeiro de 2001. Proíbe a utilização de pipas ou similares equipadas com instrumentos cortantes e com linhas preparadas à base de produtos cortantes e adota outras providências. Disponível em: <http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2001/11698_2001_lei.html>. Acesso em: 22 jul. 2019.

[6] ITAJAÍ. Lei nº 3895 de 25 de abril de 2003. Dispõe sobre a proibição da comercialização e de uso de cerol ou qualquer material cortante em linhas ou fios usados para empinar pipas, e dá outras providências. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/sc/i/itajai/lei-ordinaria/2003/389/3895/lei-ordinaria-n-3895-2003-dispoe-sobre-a-proibicao-da-comercializacao-e-de-uso-de-cerol-ou-qualquer-material-cortante-em-linhas-ou-fios-usados-para-empinar-pipas-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 22 jul. 2019.

[7] BELÉM. Lei nº 9.440, de 25 de janeiro de 2019. Proíbe a comercialização e o uso do cerol (vidro moído e cola); proíbe também a venda da linha encerada com quartzo moído, algodão e óxido de alumínio, conhecida como "Linha Chilena", ou de qualquer produto similar utilizado no ato de empinar pipas, que contenham elementos cortantes, e dá outras providências. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/pa/b/belem/lei-ordinaria/2019/944/9440/lei-ordinaria-n-9440-2019-proibe-a-comercializacao-e-o-uso-do-cerol-vidro-moido-e-cola-proibe-tambem-a-venda-da-linha-encerada-com-quartzo-moido-algodao-e-oxido-de-aluminio-conhecida-como-linha-chilena-ou-de-qualquer-produto-similar-utilizado-no-ato-de-empinar-pipas-que-contenham-elementos-cortantes-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 22 jul. 2019

 

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